Archive for julho 2014

Enfim, amor!



The passenger - Paul Roberts

Parei no caminho para observar aquele momento. Ela dormia no banco do carro ao meu lado. Não era um sono perfeito, daqueles de princesa em filme romântico. Era uma boca entreaberta, uma respiração pesada, a cabeça meio torta para o lado. Mas estava linda. Era a imagem que eu havia esperado presenciar ao longo de toda a minha vida. Eu estava sendo o felizardo ao presenciar seu momento de sono, frágil e íntimo. Agora era eu! Depois de tantos outros viverem ao lado dela, agora ela, finalmente, está nos meus braços. E a felicidade, enfim, se instalou na minha vida. Voltei minha visão para frente e segui aquele longo caminho, com minha amada vítima sequestrada e dopada ao lado.

De portas fechadas


Sem nome - Alejandro Boim

Feche a porta. Era o que a placa pendurada na porta sussurrava para quem passava. Era uma medida encontrada por ele para deixar ali guardadas todas as melancolias que ele vivia. Não queria compartilhar suas mágoas. Ele gostava de ser o único a sofrer por ali. Pois sofrer tem lá suas vantagens. Desde que, ainda muito pequeno, foi diagnosticado com depressão, nunca mais recebera sermões raivosos do pai, nem obrigações domésticas da mãe, tampouco podia ser maltratado pelos irmãos. A depressão era o que assegurava toda a atenção, o carinho e os privilégios que achava merecer. Por isso, cultivou uma série de melancolias ali no seu quarto. E fechava a porta para qualquer motivo que afastasse suas mágoas.

O presente do futuro



Lovers in the lilacs - Marc Chagall

Eram muitas expectativas dentro de si, que doía respirar. Era muita palpitação para um só coração. Eram sonhos demais dentro de uma só mente imaginativa. Cansava viver assim tão intensamente, sempre de olho no futuro. Até que conheceu um outro coração palpitante. Seu salvador. Aquele que conseguiu trazer o olhar dela para o presente. O presente que era ele. Presente que o futuro - tão desejado por ela - reservou. E ela recebeu de mente aberta, coração acelerado e respiração arfante, aquele presente. Compartilhou com ele seus sonhos, expectativas e palpitações. Passou a viver de forma menos dolorida. De forma mais vivida.

Tonta


Bristol - Gaetan Henrioux

No ar pairava uma fumaça. O apartamento cheirava a erva queimada. A cabeça estava leve. Tonta. Pensou que, se a vissem assim, talvez seus pais a chamariam de tonta. E ela riu. Agora, pela primeira vez, eles acertariam o adjetivo. Estava tonta, sim. Tonta de tanta liberdade. Depois de uma vida inteira presa àqueles padrões sociais, se desfez das amarras da vida que seus pais queriam que ela vivesse e agora estava entregue à paz daqueles que pouco se importam com a vida. Agora, ela pairava livre no ar, como aquela fumaça que observava ali em cima da sua cabeça. Leve. Tonta. Livre.

A escritora

Evilanne Brandão de Morais. Tecnologia do Blogger.