Archive for abril 2014

Sensações


Gather - Mary Jane Ansell

Ela me sorriu com os olhos. O contorno de seus lábios não precisa se amoldar em sorriso algum para que eu possa sentir a magia de um sorrir vindo dela. Já estou acostumado com seus modos. Já sei quando sorrir junto, quando entristecer junto. Já sei as suas mais intrínsecas sensações. E sorrio, choro, sinto. Junto dela. Que mesmo não sendo minha aos olhos dos outros, é minha aos meus próprios sentidos. Sentidos meus. Sensações dela.

Justo subconsciente


Quarto de hotel - Edward Hopper

Um dia, sonhou que traía seu marido. Acordou assustada, com tamanha repulsa do sonho, que chorou com raiva de si mesma. Imaginar praticar tamanha injustiça contra aquele que tanto dedicava amor a ela era um absurdo. O que o seu subconsciente tinha em mente para se manifestar daquele jeito? Não entendia. Até que no dia após o sonho, uma amiga a chamou para conversar. Muito cautelosamente, a amiga contou-lhe que havia visto seu marido traí-la. E, para piorar, ainda registrou o fato em fotos e vídeos. A sonhadora, diante daquela terrível notícia, compreendeu o recado dado pelo o seu subconsciente. Trair seu marido talvez não fosse uma má ideia. Injustiça contra um injusto traidor... Talvez, justo seja!

Seguro de vida



Weeping woman - Pablo Picasso

Das mãos pendiam notas e mais notas de dinheiro. Dos olhos pendiam lágrimas e lágrimas de tristeza. Uma cena estranha para qualquer observador que a desconhecesse. Mas se a conhecesse bem, saberia a imensa tristeza que a mulher sentia ao possuir nas mãos aquilo em que havia se transformado o seu marido. Viúva, acabara de receber o seguro de vida do falecido. No peito, a imensa vontade de trocar todo o dinheiro do mundo pela vida do seu amado. Que sinistro aquele o seu: ter o seu infinito amor transformado num finito valor. Ter o seu eterno amado convertido naquelas efêmeras notas.

Passarinhado

Flight of the mind - Christian Schloe

Era considerado o pior filho para sua mãe. Teve os piores rendimentos na escola. Não conseguiu nenhum emprego desses taxados como “de sucesso” pela sociedade. Nenhuma mulher, que se envolvia com ele, passou perto de pensar em tê-lo como marido. E nada de muito interessante lhe ocorria na vida. Isso tudo porque todos o achavam surdo. Mas o que ninguém sabia – e nem tentavam compreender – era que aquele homem nascera com uma cantoria constante de pássaros nos ouvidos. Desde o nascimento, chorou porque ouviu os passarinhados. Cresceu com os passarinhados. Vivia com os passarinhados. E quando ele tentava entender porque ele era tão destratado por todos, ele só conseguia pensar que os passarinhos que cantavam nos ouvidos das outras pessoas deviam ser péssimos cantores para lhes provocar tamanha falta de carinho pelo próximo. Só os seus passarinhos, por ele, tinham carinho.

Poesia a uma Eulália


Metamorphosis - Christian Schloe

De repente, na cabeça do velho poeta se fixou um pensamento: Eulália era o nome que ele colocaria numa filha... Se pudesse ter filhos. Mas como não podia, escreveria. Pela poesia, haveria de ter uma filha. Eulália. Não sabia por que o encantou tal nome, nem o significado dele sabia. Nem procurou saber. Mas a sensação que provoca o nome Eulália, quando escorre pela fala, é como se se observasse uma revoada de pombos brancos atravessar a alma. Uma sensação livre. Um nome que voa ao partir de sua boca. E ele colocaria, sim, tal liberdade no nome de uma filha. 
"Porque eu queria 
que uma filha 
fosse Eu. 
Lá. 
Lia."

A escritora

Evilanne Brandão de Morais. Tecnologia do Blogger.