Archive for janeiro 2015

Vingou-se


Rostro 2 - Rossina Bossio

Depois que a irmã mais velha roubou o seu namorado platônico, ela contou para os pais que a irmã havia perdido a virgindade muito cedo. Os pais castigaram a filha mais velha, mandando ela para um internato. Assim, se vingou. Depois que o marido pediu divórcio, ela encheu a cabeça do filho pequeno de coisas ruins sobre o pai. O filho nunca teve um bom relacionamento com o pai. Assim, se vingou. Depois que uma amiga a reprovou por ela se comportar de forma tão mesquinha, ela acabou com a amizade e espalhou a todas as outras amigas que aquela era falsa, que sempre falava mal das outras. Assim, se vingou. Essas e outras memórias rondavam a mente daquela mulher, enquanto ela estava na quimioterapia. Percebeu que todos os momentos felizes da sua vida foram sempre ligados à vingança. Mas que nunca havia sentido a felicidade de fato. Mas ao invés de voltar atrás e pedir perdão por suas vinganças, a mulher, com tanta raiva de si e sem muitas chances de vencer aquela doença que a alcançou tão cedo, desistiu de se cuidar e passou a esperar sua morte chegar. Quando morresse, se vingaria de si mesma. E aquele seria seu último momento feliz.

Entre tiros


Guns - Andy Warhol

Som de tiro. Não só um. Muitos tiros. Para seus ouvidos, não era barulho. Era som, como dos passarinhos na primavera. Mas diferentes dos passarinhos – que só apareciam na primavera – os tiros não tinham estação. Eram sempre presentes. E nunca tivera medo disso. Não até ouvir aqueles tiros. Não eram tiros das armas do pai. Sabia disso. E soube da pior forma. Sangue. No chão da sua casa, havia muito sangue. Descobriu o corpo do pai morto na sala. De súbito, acordou. Aquela lembrança novamente durante o sono. O homem levantou, lavou o rosto para afastar aquela memória. Lembrou as palavras do homem que matou seu pai: “menino, não se preocupe, agora vamos te levar para um país melhor e terá uma educação melhor. Não precisará viver entre tiros”. Diante do espelho, ele encarou seu próprio riso. Muito enganado. Apesar do seu passado renegado, com seus pais talibãs mortos, após ser supostamente acolhido por outra nação, educado e formado, agora era policial. E escolhera aquela profissão só para continuar vivendo entre tiros. Porque ele foi criado assim. Porque aqueles foram os valores ensinados por seus pais. E sairia para mais um dia de trabalho. Para atirar. Porque aquele era o som da sua vida.

Tanta saudade


Happiness - Clare Elsaesser

A saudade não a apertava mais. De tão grande que era, a saudade daquela moça já escapava para apertar seu arredor. As pessoas não se sentiam mais tão bem ao lado dela, pois a saudade que ela transmitia causava a sensação de aperto nos outros. E por onde ela passava, a saudade ia envolvendo as pessoas, os lugares, os ares... Até o dia que sua saudade ficou tão grande que apertou o mundo. E nesse aperto mundial, ela sentiu que havia tocado nele. Ele, razão daquela saudade, que estava a uma distância tão grande. Distantes por um tempo tão longo. E, então, pela primeira vez, meio a tanto tempo e tanta distância, a moça agradeceu por ter aquela saudade. Saudades dele. Saudades que a mantinha perto dele.

A escritora

Evilanne Brandão de Morais. Tecnologia do Blogger.