Archive for março 2016

Reflexões (i)lógicas


Mary Jane Ansell

Não podia dizer que era uma pessoa sozinha. Tinha muitos amigos. Vivia dias movimentados. Sua cabeça estava quase sempre a mil por hora. Seus dedos, sempre teclando para a conectar ao mundo. E, de vez em quando, dormia acompanhada para satisfazer seus apetites. Mas, apesar disso tudo, não conseguia fugir daqueles momentos. Quando as notificações do celular silenciam. Quando a mente reduz a velocidade. Quando ninguém aquece sua cama. Quando nenhum amigo a recorda. E, assim, sozinha, no final de um longo dia, apenas o som do nada a rodeia. E um sentimento de grande vazio preenche seu peito. Por alguns instantes, desacelera e para de correr atrás do mundo. Nota o ser que há ali dentro de si. E sente aquela estranha sensação de que algo está errado na forma como todos estão vivendo. Pensa no porquê de todos estarmos correndo de nós mesmos. Tentando nos manter conectados a todos e ao mesmo tempo a ninguém. Fugindo para aquele fim de estarmos juntos, mas no fundo isolados. Porém, logo ela fecha os olhos. Adormece. E amanhece de novo. Para um mundo em que a solidão não tem lógica.

Sintonia surreal


Lovers holding hands on beach - Helga McLeod

Ele tocou na mão dela. Envolveu os dedos ao redor dos dedos magros. Deslizou o polegar na palma da mão. Aquilo fez ela sentir uma corrente elétrica incomum percorrer seu corpo. Já ele, se arrepiou. Sem falar sequer uma palavra, apenas envolvidos no silêncio daquele instante de reencontro, se questionaram se realmente não existia alguma ligação de outras vidas. Ou uma relação de outros mundos. Ou de passados mal resolvidos. Será se existia? Não sabiam. Apenas sentiam existir aquela tamanha sintonia. Tamanho desejo. Algo que, não importava o tempo que passasse, ao se reencontrarem, sentiam do mesmo jeito. Na mesma intensidade. Não importava com quantos outros relacionamentos se envolvessem, bastava um aperto de mãos, naqueles encontros casuais, e eles já se envolviam de novo. Um no outro. Ali calados, a sentir apenas o tocar das mãos. Até essas mãos se distanciarem e cada um fingir seguir em frente sem o outro. Porque, por mais espiritual, telepática ou de outro mundo que fosse aquela sintonia, eles não estavam mais juntos. E seus caminhos estavam traçados em sentidos distintos. Porém, caminhos que guardavam diversos reencontros, só para lembrá-los que existia no mundo alguém com quem partilhavam aquela surreal sintonia.

Enlaçados


The crack up - Charles Blackman

Alguns laços nunca desatam. Ela compreendeu isso depois de deixar o filho na porta da casa do pai. O homem olhou-a nos olhos e demorou-se. Ela também demorou ali naquele olhar. E naquela fração de segundos, toda a história deles passou como um clarão de um raio na memória. Mas depois da luz, veio o estrondo forte do término. Das brigas, desentendimentos, descompassos. Não conseguiram mais seguir seus planos juntos. Divorciaram-se. Porém alguns laços nunca desatam. E o filho era aquele nó. Não adiantava ela ou ele tentar puxar o filho só para si. O nó apertaria mais e nó apertado dói. Cada um deles teria que viver com o outro, mesmo separados, mas mantendo aquele laço firme, sem deixar desatar, tampouco arrebentar. Somente com o passar dos anos, depois que mãe e pai fizessem cada um seu papel, é que esse nó aos poucos irá afrouxar. Não se partir por completo, apenas desapertar. E, assim, deixar cada um seguir - enlaçados, porém livres.

A escritora

Evilanne Brandão de Morais. Tecnologia do Blogger.