Xícaras - Valéria Vidigal
Ele
gostava de ouvir o barulho da cafeteira em plena seis da manhã. Sentava ao lado
da máquina e silenciosamente esperava pelos roncos da água quente trespassando
o pó de café. Ela, como boa filha que era, nunca ousava interromper aquele
momento de contemplação dele. O bom dia sempre vinha depois do primeiro gole de café do pai. E aquela cena se repetia como oração em casa de
religiosos. A religião do seu pai era o barulho do café quente.
Hoje, não
o tinha mais. Ele partira dessa para melhor… Ou para pior, vai saber! Mas todos os dias, em plena seis da manhã, ela sabia que o café estaria sendo feito em
algum outro plano da existência. Lá estaria, seu pai - cafeteiro de deuses e
demônios.