Archive for fevereiro 2014

Merecido presente


World - Jennifer Balkan

Aos quinze anos, não quis festa de debutante. Pediu aos pais o mundo como presente. Mas os pais não tinham condição. Não querendo desagradar a pequena jovem, juntaram algumas economias e compraram um globo terrestre. Enrolado em um laço de papel, o globo foi aninhado nos braços finos da aniversariante. Ela refletiu sobre aquele presente e não se decepcionou com os pais. A realidade, por ela, era bem conhecida. Agradeceu. E aquela sua gratidão era a prova do merecimento que um dia a faria ganhar o mundo. De verdade.

Direitos sociais


Paesaggio Urbano - Mario Sironi

Passava por um ponto de ônibus, quando ouviu uma garota, com um grosso livro no colo, falar em voz alta a um amigo algo como “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia...”. Nem conseguiu ouvir o resto da frase, pois logo encheu os olhos d’água. Emocionou-se. Não sabia o que significava exatamente direito social, mas sabia que, como parte da sociedade, ela talvez merecesse todas aquelas coisas bonitas que a garota falava. Sentiu vontade de perguntar à menina onde ela podia ir reclamar aquelas coisas. Mas sentiu vergonha. Acabava de ser maltratada na fila do hospital público. Voltava para o seu casebre, onde seu filho a esperava com fome e sem nenhuma educação. E não sabia de onde tirar dinheiro para comprar comida para o filho, pois há tempos não sabia o que era um bom trabalho. Emocionada, continuou caminhando. Tentou esquecer aquelas palavras tão bonitas.

Gostos ocultos


Three Graces - David M. Bowers

Primeiro dia de aula. Perguntaram a ela o que gostava de fazer. Respondeu. Foi suspensa. Primeira noite de encontro. O moço perguntou a ela o que ela gostava de fazer. Respondeu. Foi abandonada. Primeira entrevista de emprego. O chefe perguntou a ela o que ela gostava de fazer. Respondeu. Foi dispensada. Completamente isolada, a mãe perguntou a ela o que ela tinha de errado. Respondeu que era sincera. A verdade não era aceita. Mas então, a mãe perguntou que verdade era aquela. Respondeu. Assombrou-se. Mas não podia deserdar a filha. Ao invés disso, ensinou-a a mentir. Depois disso, ela voltou aos encontros. Conseguiu um emprego. Viveu aparentemente normal... Exceto por aqueles seus gostos que persistiam. Ocultos. Perversos.

Dançarina


Cheryl Naked - Romero Britto 

Ela sambava, requebrava e sambava. E não sabia se estava realmente sambando. Parecia estar pulando. Mas fechava os olhos, soltando o gingado. Sentia a energia extravasar por todo o corpo. E ofegava, mas sorria para parecer bonita. Era aquele seu sorriso o mais sincero. Os músculos do rosto esticados, os músculos das pernas pulsando. E descia até o chão e desequilibrava. Porém aquela falta de equilíbrio era só um toque na coreografia, que logo ia completando com um giro e outro rebolado. Até cair na cama e abrir os olhos para o teto. O peito arfando de cansaço, mas de prazer. Dançava sem se preocupar com julgamento de nenhum público. O seu quarto era o local de seu espetáculo diário. E solitário.

A escritora

Evilanne Brandão de Morais. Tecnologia do Blogger.